Estacionou o carro.
Tinha as pernas entorpecidas das horas passadas a conduzir sem mudar de posição, a não ser para mexer os pés nos pedais.
Apesar disso permaneceu imóvel no banco. Praticamente sem respirar. Os nervos paralisaram-na.
O frio na barriga.
Os piquinhos nos polegares, sobretudo...
Deixou-se estar ali, durante alguns momentos, sem saber exactamente o que fazer. Sem coragem para enviar um sms, sem coragem para ligar.
Tinha percorrido centenas de quilómetros com o único propósito de estar ali, mas...não conseguia mover-se!
O telemóvel tinha tocado durante a viagem. Ignoro-o. Sabia exactamente quem era mas não podia ter-se distraído sobre pena de voltar para trás a meio do caminho.
O remetente nem sequer fazia ideia de que ela estava ali tão perto.
A escassos passos.
Tentou ouvir a musica na radio para descontrair, mas não foi capaz.
Pegou no telemóvel para jogar um bocado...talvez isso ajudasse.
Levou as mãos á cabeça.
Gritou.
Esperneou.
Irritou-se com ela própria.
Estava a perder tempo. Tempo precioso.
Decidiu sair do carro e fumar um cigarro.
Encostou-se á porta. Não queria olhar para o outro lado da rua...
Queria fugir dali para fora. Mas por outro lado queria igualmente dizer-lhe "estou aqui".
Fechou os olhos por momentos. Decidiu pegar no telemóvel. Ignorou todas as sms que tinha na caixa de entrada.
"Consegues arranjar maneira de sair de casa por umas horas?"
Já estava.
Não havia volta a dar. Ou podia haver...mas isso dependia da resposta.
Estava a demorar.
Puxou outro cigarro.
Olhou novamente para o telemóvel. Nada.
Sentiu-se percorrer pela tristeza. A expectativa falhada.
Provavelmente aqueles quilómetros todos tinham sido em vão. Provavelmente também não deveria ter seguido o impulso de se enfiar no carro e ir até ali.
Obviamente tinha muito mais a perder do que a ganhar com aquilo tudo.
A coisa certa a fazer seria enfiar-se de novo no carro e voltar para casa. Dormir. Amanhã seria outro dia.
Racionalmente sabia-o.
Mas não lhe apetecia ser racional. Queria aquilo para que tinha ali ido.
Olhou novamente para o telemóvel.
Nada.
A noite de breu, o frio que lhe enregelava os ossos...tudo lhe pareciam sinais de que o que estava a fazer era muito errado.
O telemóvel.
"Porque?"
Ora porque...porque ela estava ali, óbvio!
"Consegues?"
"diz-me porque?"
"Consegues ou não consegues?"
"Não"
"Ok"
Ah a frustração de uma viagem perdida, das expectativas defraudadas. Entrou no carro. Mas não iniciou a marcha.
"Diz lá o que se passa. Vens cá?"
Eu estou cá, pensou.
"não. não vou"
Não estava a dizer mentira nenhuma. Não ia porque simplesmente já lá estava.
"
não vais ao skipe? Apetece-me ouvir a tua voz"
"não. não tenho net onde estou."
"ok"
OK? que raio de resposta era aquela?
"tenta lá sair de casa, por favor"
"mas estás cá?"
"estou"
Ai que merda...pensou! Asneira, já tinha saído asneira. Era suposto ter voltado para casa quando ele disse que não conseguia sair nessa noite. Não era suposto dizer-lhe que estava ali.
E agora? A sorte é que ele ainda não tinha respondido.
Ir embora?
Ficar?
Esperar uma resposta?
A resposta a tardar mais uma vez.
Vai-te embora...pensou...não estas a fazer nada aqui.
Não continuou à espera.
A cabeça encostada ao volante. Os olhos fechados.
O telemóvel silencioso.
Deixou-se estar mais um pouco, a ganhar coragem para ligar a chave e arrancar, porque no fundo sabia que a partir do momento em que o fizesse seria invariavelmente admitir a impossibilidade daquilo tudo.
A porta do passageiro abriu-se.
Assustou-se de morte.
Tinha o mau habito de nunca trancar as portas.
O susto nem lhe estava a permitir perceber o que estava a acontecer.
- Arranca, eu indico-te o caminho.
Assim fez, mais ou menos como um autómato Seguiu as indicações dele. Sem perceber muito bem se aquilo era realidade ou se estaria a sonhar, ou até numa realidade paralela.
Sentia o corpo rígido mas mesmo assim um burburinho de excitação percorria-lhe já o baixo ventre, numa antecipação do que ia acontecer.
Ele pousou-lhe uma mão no joelho.
- Estas mesmo aqui?
Ela riu-se com esgar.
- Sim. Estou.
A respiração dela foi-se tornando mais forçada à medida que a mão dele lhe percorria a perna.
- Xhiuuuuu temos tempo.
Chegaram finalmente ao destino. Um lugar ermo. Muito deserto. Onde não poderiam ser vistos.
- Sai do carro. Ordenou-lhe ele.
Obedeceu. Era bom ter alguém a dizer-lhe o que fazer, já que ela própria não sabia o que fazia.
Ele saiu igualmente, percorreu o carro e foi ter com ela.
Fê-la encostar-se.
- És completamente louca sabias?
Não lhe respondeu. Tinha o olhar vago, meio perdido.
- Então? O Que se passa? Não queres? Podemos voltar para casa. Não temos de fazer nada que não queiras.
- Eu quero.
- Então abraça-me e beija-me porque eu preciso muito de te sentir.
Ele agarrou-lhe na cintura. Puxou-a para ele. Era bom sentir o calor do corpo que desejou durante tanto tempo.
Beijaram-se, um beijo muito cálido. Intenso. Magnético.
Os corpos envoltos um pelo outro.
- Estás com frio amor?
- Não. - Disse-lhe ela com o corpo muito tremente - Estou só inebriada por isto tudo.
Olharam-se nos olhos, pela primeira vez, uma espécie de confirmação de tudo o que sabiam que lá iam encontrar.